ATOR DIZ: Votar no Lula é sadismo e no Bolsonaro, um retrocesso

Aos 84 anos, o ator Ary Fontoura, que  está em cartaz no cinema interpretando Lula no filme "Polícia Federal - A Lei é Para Todos" dá a seguinte entrevista à jornalista Mônica Bergamo:

Ele aparece apenas nas cenas finais, em que o petista é conduzido coercitivamente para prestar depoimento.

Foi o suficiente, porém, para receber críticas. "Mais do que eu votei no Lula?", questiona, para dizer que apenas exerce seu ofício.

Nos palcos do Rio de Janeiro com a peça "Num Lago Dourado", que já ficou em cartaz por quatro meses em São Paulo, deve voltar à cidade com ela no ano que vem.

Depois de uma passagem por uma feira livre nos Jardins, em frente ao flat em que fica em SP, ele falou à coluna do início da carreira, quando até cantou em bordéis, e de seus 68 anos de rádio, teatro, cinema e TV. "Eu não penso na velhice", diz.

LULA
Eu fui contratado para fazer um papel. Alguém tinha que interpretar o Lula. Já viu uma série chamada "House of Cards" [inspirada na política dos EUA]? Numa democracia séria isso é normal.

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Mais do que eu votei no Lula, mais esperança do que depositei nele? Votei quatro vezes no homem. Ele faz tudo isso [referindo-se a fatos revelados na Lava Jato] e não sabe de nada? Não sou eu que tô devendo para o Lula. É o Lula que tá devendo para mim e para todo o mundo.
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O diretor [do filme sobre a Lava Jato] queria uma interpretação pura e simples, sem perseguir o personagem.

A minha participação é pequena. Eu só entro no final, na cena da condução coercitiva do Lula [em 2016].

Em 50 anos [de TV Globo], já fiz 48 novelas, já fiz praticamente de tudo. Essas coisas não me atemorizam, não.
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PRESIDENTES
Eu tenho 84 anos de idade. Estou até hoje esperando para ter a lembrança de um bom presidente. Não me recordo de nenhum que eu possa dizer "foi o melhor presidente do período da tua vida". Ninguém. Ninguém.

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E agora, votar em quem? No Lula? Já votei quatro vezes. Seria sadismo. [Jair] Bolsonaro, o retrocesso do retrocesso? Vou votar nisso? Ciro Gomes, que explode a toda hora? João Doria? Começou bem, mas tá se perdendo. Pela madrugada! Não tem.

Você votaria no [juiz] Sergio Moro? Eu, sim. Se estivessem a Marina [Silva], o Bolsonaro e o Moro, claro que eu votaria no Moro.

COMEÇO
Eu comecei com 15 anos, em Curitiba, onde nasci, fazendo rádio. São 68 anos de rádio, de teatro, de cinema. Nunca estudei teatro. Sou autodidata. Aprendi fazendo.

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Estudei direito. Não gostava. Gostava mesmo é do que eu faço. Mas havia uma série de impedimentos familiares.
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O grande prazer dos pais era dar um canudinho [diploma] para pendurar em uma parede qualquer. Eu queria vir para SP, fazer a EAD [Escola de Arte Dramática da USP]. Mas fiquei amarrado por chantagens sentimentais.
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A minha vida pessoal era atrapalhada. Nada dava certo porque em primeiríssimo plano sempre esteve o teatro. Eu era e sou muito egoísta nesse sentido. Mirei a minha profissão. Não via mais nada em torno de mim.
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Eu não me casei nunca. Sou absolutamente solteiro.

Aos 31 anos, a família me pressionando, comecei a namorar uma menina em Curitiba. Íamos casar. E a mãe dela perguntou: "Você vai continuar no teatro depois do casamento?". Foi uma péssima pergunta. Fui-me embora. Nunca mais apareci. Graças a Deus não me casei.

Os outros amores foram eventuais. Paixões. Em termos de variação, eram ótimos. Não tinha responsabilidade. De galho em galho, passarinho voando. Liberdade.
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Eu achava que [a vida de teatro] era cigana. Já viajei o Brasil todo, do Oiapoque ao Chuí. Fiquei me imaginando carregado de filho, de um lado para o outro. Agora mesmo, veja como minha vida é.
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Fiquei em Curitiba [até os 31 anos] fazendo o que era possível numa cidade de 250 mil habitantes. Fazia rádio. Tinha um teatro próprio. Cantei em uma rede de bordéis.

E era funcionário público. Quer dizer, não trabalhava [risos]. Funcionário público não trabalha. Eu era assessor do meu pai [diretor do departamento de educação do PR]. Imagina! Eu escapava e ia para o teatro. Eu queria ficar lá.
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Quem é pobre sempre demora, né? Eu tinha 17 anos quando vi o mar pela primeira vez. Foi em Guaratuba. Não queria mais sair de lá. Tudo o que eu via que era melhor do que a minha terra eu queria ficar, ia ficando, ficando. São Paulo eu conheci aos 18 anos.

SÃO PAULO
Quando conheci SP, eu não queria ir embora daqui. Fiquei maravilhado. Vim de trem com a turma do colégio. Assim que cheguei, fui ver a Cacilda Becker no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia). Menina, quando eu vi aquela mulher e o teatro que se fazia aqui, eu disse "é isso o que eu tenho que fazer, gente. Eu não posso mais ir embora".

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No dia marcado para a nossa volta, me escondi no banheiro do vestiário do estádio do Pacaembu, onde estávamos hospedados. Mas o professor me encontrou.

O trem demorava 24 horas para chegar em Curitiba. Foi a pior viagem que eu já fiz na minha vida. Nada mais tinha graça. São Paulo era tudo o que eu queria.

RIO DE JANEIRO
Em 31 de março de 1964 [dia do golpe militar] eu me mudei para o Rio de Janeiro. Cheguei lá às 11h30.

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Estava tão preocupado em sair de Curitiba que nem percebi o movimento. Fui à Rádio Nacional e não encontrei ninguém. As ruas estavam desertas. Vi caminhões cheios de soldados. Então entendi o que acontecia.
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Em 1965, fiz teste e comecei a trabalhar na TV Globo. Seguia também no teatro.
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Naquele tempo nós não tínhamos o respaldo das leis de patrocínio. Você chegava num banco, levantava uma promissória. Algumas peças davam certo, outras não. E lá se ia telefone, relógio, para pagar as dívidas.
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Hoje, com todo o auxílio, o teatro é deficitário. O público não vai mais como antes. Fazíamos até nove sessões por semana. Hoje, são três. Num teatro de 400 lugares, você tem que dar 90 convites para ONGs, como contrapartida da lei [de incentivo]. O produtor, para ganhar, terá que esperar seis meses.

BELEZA
Certa vez, em Porto Alegre, um colega nosso estava fazendo um baile de debutantes. E perguntaram: "Sabe o que é? Morreu um político famoso. Será que ele não poderia fazer uma presença no velório?". Parece que pagavam uns R$ 30 mil. Ele foi lá, cumprimentou todo mundo, chorou pra todo lado.

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O que se cultiva hoje em dia é o corpo e a beleza. E eu não me acho bem dotado nesse sentido, não é? Sempre fui um ator coadjuvante, no papel do pai de alguém ou do tio de alguém. Nunca fui um "galazão". Então tenho que trabalhar mais [risos]. Não é?

Para um velório ainda dá. Para dançar valsa, não.
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Na TV tem lugar para rosto bonito e rosto feio. As histórias têm vários personagens e nem todos são lindos.

BRASIL
Eu adoro o Brasil, adoro os brasileiros. Mas não gosto de certas coisas. Por exemplo: o Brasil é bom, mas o nosso hino é péssimo. Deitado eternamente em berço esplêndido ao som do mar e à luz do céu profundo, numa rede embaixo de um coqueiro que dá coco. Quem quer trabalhar?


O Brasil tem que mudar, e vai mudar pelo sufoco. De repente o hino muda o ritmo, para um funk.
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O país é dos jovens. Não é meu mais. Eu tenho 84 anos e fico dando ideia aqui?
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A mudança tem que ser radical. A única coisa que eu acho é que não podemos perder o humor. O brasileiro sempre foi bem humorado. Mas tá ficando estranho.

BALANÇO
Eu não penso na velhice. Penso que a gente vai perdendo e vai ganhando coisas. O que você ganha? Uma vivência extraordinária, uma sabedoria que não tinha.


Você fica mais seletivo, um pouco mais usurário, no sentido de viver. Já não pode dar aquele salto que dava antes. Dá um menorzinho.

Quando eu era mais jovem, como sou romântico, se perdia alguém, eu ficava batendo a cabeça na parede. Hoje já não é assim.

Eu vivo o tempo de hoje. O passado não tem grande influência, não. O futuro é hoje. É cada minuto. Acho uma pretensão pensar no amanhã. Eu posso agora ter um infarto e tchau. Nem termino essa entrevista.

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